Teletrabalho: A instabilidade nas relações Trabalhistas trazidas pelas alterações na MP 1.108/2022

No fim do mês de março foi editado pelo Poder Executivo a MP. 1.108, que dispõe sobre a regulamentação do Teletrabalho, entre outros temas. O Governo Federal sugere que, com essa medida, aumente a segurança jurídica dessa forma de trabalho. Como se trata de uma medida excepcional, convém deixar claro que a MP deverá ser votada e aprovada pelo Congresso no prazo de 60 dias, prorrogáveis por igual período – portanto, 120 dias no máximo, pois, caso contrário, perderá sua vigência.

O primeiro ponto abordado pela MP se refere ao dever de o vale-refeição ser destinado exclusivamente para pagamento de refeições em restaurantes e estabelecimentos similares ou para a aquisição de gêneros alimentícios em estabelecimentos comerciais, sendo vedada a aplicação de qualquer deságio ou desconto sobre o valor do benefício, sob pena de multa e outras sanções. O objetivo é manter a característica principal do benefício que se destina ao custeio da refeição, ou parte dela, do trabalhador, conferindo-o maior proteção e evitando, inclusive, que ocorra pagamento de salário de forma dissimulada.

Outro item tratado no diploma legal se refere a uma alteração importante na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em especial no art. 62 que regia: “III – os empregados em regime de teletrabalho” não têm direito às horas extras, texto que acompanhou a reforma trabalhista (Lei 13.467/17). Agora, passou a constar: “III – os empregados em regime de teletrabalho que prestam serviço por produção ou tarefa.”, ou seja, ocorreu uma restrição no grupo de empregados que não terão direito às horas extras.

Antes, todos os empregados em teletrabalho não tinham, em princípio, direito às horas extras; no entanto, agora, apenas aqueles serviços por produção ou tarefa não terão, numa primeira análise, diretos às horas. Sendo assim, os demais trabalhadores em teletrabalho voltam a ter a proteção das, como regra, 8 horas diárias e 44 horas semanais, de tal forma que se recomenda que o empregador exerça um maior controle sobre as horas trabalhadas pelos seus empregados para se evitar discussões sobre se há ou não direito ao recebimento das eventuais horas extras, as quais poderão significar um passivo contingente.

Em relação ao controle da jornada, os avanços tecnológicos sabidamente têm trazido cada vez mais possibilidades e opções para que o empregador acompanhe, bem de perto, inclusive, a jornada de trabalho de seus colaboradores e, neste sentido, eventuais desculpas pela ausência de controle eficaz da jornada podem não ser aceitas pelo Judiciário, resultando em condenações.

Outra inovação diz respeito ao conceito e as regras do teletrabalho. Passa a ser considerado teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não se configure como trabalho externo. E, mais, o comparecimento às instalações do empregador, ainda que de maneira habitual para a realização de atividades específicas, que exijam a presença do empregado no estabelecimento, não descaracterizará o teletrabalho. Esta modalidade (teletrabalho ou trabalho remoto) de contratação deverá, por ser excepcional, estar prevista expressamente no contrato de trabalho ou em seu aditivo.

A MP fixa ainda que o tempo de uso de equipamentos telemáticos para o teletrabalho, fora da jornada de trabalho normal do empregado, não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou em acordo ou convenção coletiva de trabalho. Isso poderá ser um elemento de bastante controvérsia no Judiciário porque, caso o empregado comprove que estava usando as ferramentas de trabalho, portanto, trabalhando, poderá requerer e, ao final, ser deferido, a depender sempre das provas produzidas, o sobreaviso.

Convém destacar que as horas extras também podem ser deferidas aos empregados que realizam o teletrabalho, principalmente àqueles que comprovarem que permaneciam trabalhando além das horas regulares de trabalho (8h/dia e 44h/semana, como regra).

Há, inclusive, muita decisão jurisprudencial caminhando no sentido de condenar ao pagamento das horas extras o empregador que exigiu, ou até mesmo permitiu, ainda que por omissão, que seus empregados dedicassem longas horas de trabalho, prejudicando assim o convívio familiar, social, entre outros, afrontando ainda o que vem sendo denominado de “direito de desconexão”, o qual está tutelado em países como a França, Espanha, Bélgica, entre outros.

Muito embora exista uma legislação mais liberal sendo produzida recentemente, há que se atentar para a interpretação conforme a Constituição Federal, bem como legislação infraconstitucional, com o objetivo de evitar surpresas desagradáveis, as quais poderiam decorrer de uma leitura literal e isolada de determinado dispositivo legal. E, mais, devemos recordar ainda que compete ao Poder Judiciário, em última instância, interpretar e dizer definitivamente como determinado texto legal será compreendido e aplicado.

Outra alteração decorre da oportunidade que surge para a realização do teletrabalho pelos estagiários e aprendizes, ressalvado o desafio de se acompanhar e instruir estes novos trabalhadores em suas funções de maneira adequada, integrada e à distância.

Sem o objetivo de esgotar todos os temas trazidos pela MP, escolhemos como último assunto a seguinte regra: “Aos empregados em regime de teletrabalho aplicam-se as disposições previstas na legislação local e nas convenções e acordos coletivos de trabalho relativas à base territorial do estabelecimento de lotação do empregado.”, o que, igualmente, pode trazer conflito legislativo se confrontado com o art. 8, II, Constituição Federal, art. 611, CLT, e o princípio da territorialidade, segundo o qual deverá ser aplicada a norma coletiva da localidade em que o trabalhador realiza suas atividades profissionais. Diversas outras disposições legislativas atraem a competência do local da prestação do serviço para a aplicação e execução do direito, vide, por exemplo, art. 651, CLT que fixa: “A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador”, e não onde está lotado.

Em resumo, a despeito das alterações significativas, e algumas controvertidas, competirá mais uma vez ao Judiciário dizer como estes novos textos legislativos deverão ser aplicados, contribuindo, de certa maneira, para uma instabilidade das relações, o que não é conveniente e reforça a necessidade de um constante e amplo estudo do sistema jurídico.

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