Contrato de Parceria Rural ou Arrendamento e a (in)existência de risco tributário

Os Contratos de Arrendamento e Parceria Rural são denominados como contratos típicos, em razão de suas características serem definidas em lei (Estatuto da Terra – Decreto nº 59.566/66). Utilizados largamente no meio agrícola, estes instrumentos, do ponto de vista tributário, repercutem em carga tributária maior ou menor, além de pontos de exposição perante o Fisco, em razão da classificação das receitas.

Quanto ao Contrato de Arrendamento, temos a seguinte definição legal:

“Art 3º Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista, mediante certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da Lei.”

Neste caso, portanto, há a figura da remuneração (aluguel) por preço certo, líquido e pré-determinado e, independente dos riscos ou do lucro do arrendatário, é devido o valor integral do arrendamento.

No instrumento de Parceria Rural, a situação diverge, existe uma partilha de riscos, dos frutos, produtos ou lucros que as partes estipularem. É uma espécie de sociedade onde o dono da terra entra com o imóvel e o parceiro com o trabalho, partilhando além dos lucros, os prejuízos que possam vir a ter:

“Art 4º Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso especifico de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa vegetal ou mista; e ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias primas de origem animal, mediante partilha de riscos do caso fortuito e da força maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais da lei (artigo 96, VI do Estatuto da Terra).”

Neste sentido, temos duas importantes diferenças em relação aos instrumentos: a primeira é que na parceria todos os contratantes compartilham riscos do empreendimento, da produção, enquanto no arrendamento apenas o arrendatário assume, sozinho, tais riscos.

No caso do arrendamento, portanto, o proprietário da terra deve receber um valor fixo a título de renda pelo uso do imóvel, valor este que pode ser pago em dinheiro ou em outro ativo; não é raro que, na prática, o pagamento pelo uso da terra nos contratos de arrendamento seja feito com a produção agrícola, como sacas de soja, por exemplo.

Independente da “moeda” de pagamento do arrendamento, de acordo com a legislação tributária, seja o valor percebido em dinheiro ou em percentual de produtos advindos da atividade agrícola exercida pelo arrendatário, esse valor equipara-se a um aluguel e não a receita vinculada a atividade rural. Nesse sentido, para fins fiscais, o recebimento pelo dono da terra de dinheiro ou grãos deve ser regularmente tributado, no momento do registro contábil deste direito ou recebimento dele, a depender do seu regime tributário.

Neste sentido, é importante asseverar que o recebimento pelo proprietário do preço definido no arrendamento em produtos (sacas de soja, por exemplo), representará receita equiparada à aluguel, como descrito, e deve ser neste momento tributada. Não é possível, portanto, que o proprietário postergue a tributação para o momento em que realizar a venda da produção agrícola que lhe foi entregue, como pagamento pelo arrendamento. Neste caso, o recebimento dos produtos em substituição ao valor em dinheiro reflete renda, receita tributável, sem prejuízo de nova tributação quando da monetização relacionada a alienação dos produtos, tendo em vista tratar-se de operações diferentes.

Por outro lado, o dono do imóvel rural no Contrato de Parceria, receberá uma participação em determinado percentual da produção obtida no imóvel, cuja atividade ficou à cargo do parceiro. Essa pode ser paga in natura ou em dinheiro, no valor correspondente aos produtos.

Diferentemente do arrendamento, o valor percebido pelo dono do imóvel rural na parceria não se equipara ao aluguel. Como os parceiros são verdadeiros sócios, tais valores serão considerados dentro do contexto da tributação diferenciada da atividade rural. Segue linha do tempo para melhor compreensão:

 

*Havendo recebimento dos frutos do arrendamento mediante entrega de parte dos rendimentos da atividade rural desenvolvida (colheita, madeira, gado, etc), haverá tributação como locação de bem imóvel em primeiro momento e após a alienação dos bens, nova tributação incidirá, mediante constituição de nova receita.

Sendo assim, em razão das receitas advindas sujeitarem-se a tributações diversas é preciso cautela na celebração e execução de tais contratos, pois, o reconhecimento da natureza jurídica como arrendamento ou parceria dependerá de tais fatores, não bastando a existência do título para caracterizá-lo. Muitos agricultores, de maneira equivocada, firmam contratos de arrendamento que são pagos com participação na produção da soja e, por receberem em espécie, deixam para tributar a renda do arrendamento no momento de alienação desta soja, como se parceiro fosse.

Há, nesse sentido, efetivo risco de desconsideração do pactuado pelo Fisco, com imposição da tributação mais onerosa, multa e juros, conforme já decidiu o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em algumas oportunidades: Acórdãos CARF, 2ª Seção: Ac. 2202-003.130, Ac. 2201-003.127 e Ac. 2402-005.365, cujo trecho de voto segue, para melhor ilustração:

“Merece ser explicado, inicialmente, que os rendimentos auferidos em virtude de arrendamento são tributáveis, para o produtor, como resultado da atividade rural, a qual é apurada mediante escrituração do livro Caixa, podendo ser deduzida as despesas e investimentos incorridos na atividade, a teor do art. 18 da Lei nº 9.250/95. Na ausência de livro Caixa, a base de cálculo do imposto recai sobre 20% da receita bruta. Já o arrendador submete os valores decorrentes do arrendamento ao regime geral  estabelecido  no  art.  21  da  Lei  nº  4.506/64,  ou  seja,  são  eles  classificados  como rendimento de aluguéis, estando sujeitos à tributação na Declaração de Ajuste Anual da pessoa física sem  o abatimento  de despesas e  benfeitorias, tratamento mais  gravoso, à evidência,  do que o conferido aos recebimentos advindos da relação de parceria.
(…) Assim, caracterizado o recebimento pelo proprietário de uma renda prefixada pelo uso temporário de sua propriedade, sem sua participação nos riscos da exploração que dela se fizer, resta configurada a renda de aluguel e a consequente tributabilidade dessa renda.”

Portanto, os contratos típicos agrários de parceria e arrendamento, apesar de pontos comuns, possuem características que os distinguem e que geram efeitos jurídicos de natureza fiscal também diversos, devendo a elaboração dos instrumentos estar alinhada a verdadeira natureza jurídica da avença, refletindo o interesse das partes de forma factível, com manutenção inclusive de documentação e contabilidade a corroborar com o instrumento escolhido, sob pena de surgimento de passivo tributário, como visto.

O Briganti Advogados possui equipe multidisciplinar, onde área cível, contratual e tributária pode ajudar na elaboração dos instrumentos adequados a abarcar a necessidade de cada cliente, com foco em economia tributária e segurança jurídica.

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