Se eu comprar um imóvel apenas em meu nome, ele será meu em caso de divórcio?
Se o casal for casado no regime da comunhão parcial de bens todos os bens adquiridos onerosamente durante o relacionamento são, em regra, comuns ao casal. Isso significa que mesmo que o imóvel seja registrado exclusivamente em nome de um dos cônjuges ou companheiro, presume-se que metade pertence ao outro cônjuge.
Da mesma forma será partilhado os frutos decorrentes dos bens comuns ou particulares de cada cônjuge ou companheiro, recebidos durante o relacionamento, pois são comunicáveis aos seus respectivos parceiros pelo regime da comunhão parcial de bens, conforme regramento do artigo 1.660, V, do Código Civil.
Isso inclui por exemplo:
- Aluguéis recebidos de imóveis particulares ou comuns;
- Lucros de empresas, ainda que as quotas sejam de titularidade exclusiva;
- Rendimentos de aplicações financeiras;
- Valorizações imobiliárias;
Logo, mesmo os bens que são particulares (heranças, doações, bens adquiridos antes do relacionamento) podem gerar frutos que se tornam comuns — a não ser que haja cláusula específica excluindo essa comunicabilidade.
Por outro lado, neste regime de bens não se comunicam aos outros cônjuges os bens recebidos por herança, por doação, ou os bens que foram sub-rogados em seu lugar, e os bens adquiridos anteriormente ao relacionamento (quando solteiros).
Por isso, na hora de comprar um imóvel com recursos particulares, é essencial que o contrato de aquisição formalize, quando for o caso, que o bem está sendo adquirido com patrimônio exclusivo. Nesses casos, se o objetivo for preservar a incomunicabilidade do novo bem adquirido, é fundamental que o instrumento de aquisição declare expressamente que os valores utilizados são oriundos de patrimônio particular, promovendo-se a sub-rogação. Sem essa formalização, o bem poderá ser considerado comum e sujeito à partilha em caso de dissolução.
E os demais regimes?
No regime da comunhão universal de bens, todos os bens presentes e futuros dos cônjuges ou companheiros são considerados comuns. Existe o que chamamos de estado de mancomunhão, isto é, de indivisão dos bens. O bem imóvel, no exemplo acima, será igualmente de ambos, independentemente de quem comprou ou em nome de quem está registrado.
Já o regime de separação de bens é o oposto do regime da comunhão universal de bens: não há qualquer comunicabilidade entre os bens adquiridos durante a constância do relacionamento, isto é, não existem bens comuns. Assim, se o imóvel for adquirido por um dos parceiros, e o outro não constar como coproprietário no registro, aquele poderá dispor livremente do bem, inclusive aliená-lo ou gravá-lo, sem necessidade de anuência do outro.
Por último, o regime da participação final nos aquestos, regime híbrido e menos usual pelos parceiros, durante o relacionamento, cada uma conserva o seu patrimônio de forma individual e com liberdade de administração, inclusive para vender, de forma similar a separação de bens.
Contudo, no momento da dissolução da sociedade conjugal, apura-se o patrimônio adquirido onerosamente por cada parte durante o relacionamento e procede-se à divisão igualitária, nos moldes do regime da comunhão parcial de bens. Ou seja, os efeitos práticos desse regime, em evento dissolução, serão similares ao previamente abordados no regime da comunhão parcial de bens.
Mas as dívidas, elas se comunicam em todos os regimes de bens? Como ficaria a situação acima se o imóvel fosse financiado?
Não é incomum que, durante a construção de vida do casal, a aquisição de bens aconteça de forma cadenciada e, muitas vezes, com a utilização de financiamentos para a aquisição dos bens e recursos provenientes dos créditos bancários, gerando ao casal uma dívida.
No caso de imóveis financiados a situação se torna particularmente interessante. Quando analisamos o regime da comunhão parcial de bens – que é o padrão legal quando inexistente pacto antenupcial ou declaração de união estável – apenas as parcelas efetivamente pagas durante o período do casamento ou da união estável tornam-se comuns ao casal. Isso significa que, em caso de dissolução da união, o parceiro terá direito apenas sobre a parcela do imóvel que foi amortizada com recursos do período conjugal, não sobre a totalidade do bem.
E se o imóvel financiado foi adquirido antes do casamento ou da união estável? Neste cenário, mesmo sendo um bem particular de um dos parceiros, as parcelas pagas durante a vigência do relacionamento podem adquirir natureza comum, desde que comprovado que foram quitadas com recursos do casal. Esta regra demonstra como o regime da comunhão parcial busca equilibrar a proteção do patrimônio anterior com o reconhecimento dos esforços conjuntos durante a vida em comum.
O aspecto mais delicado, contudo, diz respeito às dívidas contraídas durante a união. A regra geral estabelece que as obrigações assumidas em benefício da família comunicam-se entre os parceiros, independentemente de quem as tenha formalmente contraído. Um financiamento imobiliário para a residência familiar é o exemplo clássico: em caso de inadimplência, ambos os cônjuges ou companheiros podem ser acionados para responder pelo débito, pois se trata claramente de uma obrigação assumida em prol do núcleo familiar.
Por outro lado, dívidas de natureza estritamente pessoal, como a aquisição de um relógio, bolsas ou outros bens de uso exclusivo de cada um, não se comunicam, desde que comprovado que não trouxeram benefício à família. Esta distinção entre dívidas comuns e pessoais é crucial para entender a extensão da responsabilidade patrimonial de cada parte.
Isso não significa dizer que a meação de um bem comum esteja isenta das dívidas pessoais de cada cônjuge ou companheiro. Pelo contrário, os bens pertencentes ao parceiro devedor poderão ser executados, ressalvando-se, entretanto, a meação do parceiro não é o devedor, a qual estará protegida.
A administração dos bens comuns também apresenta particularidades importantes quando falamos de casamento. Nos regimes de comunhão (parcial ou universal), atos de disposição relevante sobre o patrimônio comum – como vendas, doações ou onerações – exigem o consentimento expresso de ambos os cônjuges. Já na separação total de bens, essa autorização conjugal (conhecida como outorga uxória ou marital) torna-se dispensável, pois não há bens comuns a administrar. Contudo, mesmo neste regime, quando os cônjuges adquirem bens em conjunto, aplicam-se as regras ordinárias de condomínio e copropriedade.
A complexidade das relações patrimoniais nos relacionamentos exige dos cônjuges e/ou companheiros uma atenção especial às consequências jurídicas de seus atos. O entendimento claro sobre como as dívidas se comunicam nos diferentes regimes de bens pode prevenir conflitos futuros e garantir maior segurança jurídica ao casal.
No final das contas, o equilíbrio entre os aspectos afetivos e patrimoniais do relacionamento revela-se essencial para relações duradouras e saudáveis. Como em todos os aspectos da vida conjugal, o diálogo transparente e o planejamento consciente continuam sendo os melhores aliados para um futuro conjugal próspero e sem surpresas desagradáveis.
Ana Clara Martins Fernandes, Laura Santoianni Lyra Pinto e Samantha Teresa Berard Jorge