Por muitos anos, investir no exterior era algo visto como muito burocrático. Com algumas mudanças regulatórias, políticas e desenvolvimento de novos produtos, o Brasil tem manifestado um crescimento substancial pelo mercado externo.
Aplicar em países com maior robustez econômica tem sido uma opção viável para investidores que buscam mais proteção aos investimentos, seja pela aplicação de recursos em fundos, compra de ações nas bolsas de valores, empresas estrangeiras, compra de imóveis ou outros.
A recente adoção da Medida Provisória nº 1.171/2023, que entrou em vigor em 01 de maio de 2023, tem gerado opiniões divergentes a respeito da vantagem de continuar alocando recursos e adquirindo patrimônio no exterior, visto que a mudança, a princípio, aumenta a alíquota do imposto pago pelo investidor de bens estrangeiros.
Entretanto, especialistas em investimentos apontam que o comportamento daqueles que investem no território estrangeiro não deve mudar, pois o avanço na tributação tem se mostrado uma tendência mundial. Além disso, investir em outros países continua sendo uma forma de mitigar riscos, proteger patrimônios e diversificar a carteira.
Mas, não basta só pensar na diversificação de investimentos e proteção patrimonial, faz-se necessário pensar na questão do planejamento sucessório, ou seja, como fica esse patrimônio no exterior em caso de falecimento do seu titular e como os herdeiros poderão acessá-lo.
No Brasil, o Código Civil estabelece que o momento da abertura sucessão patrimonial é o do falecimento: inicia-se aqui, então, a promoção dos atos necessários a inventariar e partilhar os bens e apurar os débitos, deixados pelo falecido.
Já quando o brasileiro falecido possui bens no exterior algumas dúvidas podem surgir e sobre isso nos dedicamos neste material.
Como se verá, antes de tomar a decisão de investir e adquirir patrimônios no exterior é muito importante que se conheça a legislação do país escolhido, seja para avaliar os valores que serão destinados ao pagamento de impostos, seja para avaliar o tempo e o procedimento que deverá ser percorrido para efetivação da transferência do patrimônio do falecido aos herdeiros, de forma a evitar o ingresso em processos intermináveis e excessivamente onerosos.
Como fica o inventário de uma pessoa que possuía bens no Brasil e no exterior?
O Brasil não é signatário da Convenção Relativa à Lei Uniforme sobre a forma de um testamento internacional que tem previsões obrigatórias e modelos para a elaboração de um testamento internacional, de modo a ser reconhecido e validado pelos signatários.
Desta forma, a jurisdição brasileira limita-se a cuidar da transmissão pela sucessão dos bens situados no Brasil, seja de brasileiros ou de estrangeiros, não abrangendo os bens situados no exterior, razão pela qual deverá haver, obrigatoriamente, inventário (ou procedimento similar) no exterior, no local onde estejam situados.
Sendo assim, se abre-se a sucessão e há bens no Brasil e no exterior, os bens no Brasil seguirão o rito previsto no Código Civil e os bens no exterior deverão seguir a regra do país onde se encontrem.
No Brasil, o inventário poderá ser feito pela via judicial ou extrajudicial.
O inventário extrajudicial costuma ser um procedimento mais célere, pois é realizado em cartório, por meio de escritura pública, desde que todos os envolvidos sejam capazes, concordes e devidamente representados por advogado. Este inventário poderá ser realizado em qualquer cartório de notas, independente do domicílio das partes, do óbito e dos bens.
Havendo testamento, o testamento deve ser obrigatoriamente judicial e serão abertas duas ações judiciais: uma para reconhecer o testamento e outra para realizar o processo de inventário em si.
A legislação brasileira estabelece ainda que a partilha dos bens no inventário será feita de acordo com a ordem ali prevista, deve-se observar a existência de herdeiros necessários do falecido, que serão: os filhos (descendentes), os pais (ascendentes) e o cônjuge sobrevivente (se houver), e nesta ordem, cabendo analisar, ademais, o regime de bens do casamento ou da união estável em que vivia o falecido, se deixou cônjuge sobrevivente.
No Brasil, a competência para processar o inventário é definida como sendo o foro do último domicílio do autor da herança, ou seja, do falecido, com relação aos bens deixados no Brasil. Já o inventário de bens localizados no exterior deverá obedecer a regra do país onde o bem estiver localizado.
Apenas a título exemplificativo, em relação aos ativos financeiros e especialmente em análise às hipóteses admitidas pelos legislação dos Estados Unidos existe um mecanismo denominado “Totem Trust” ou Payable-on-Death que é um tipo de planejamento sucessório usado por brasileiros e estrangeiros detentores de contas bancárias naquele local, que tem como objetivo facilitar o levantamento de recursos por parte dos herdeiros e sucessores sem a necessidade da intervenção de advogados e abertura de inventário judicial.
Nesse mecanismo o titular indica um terceiro para movimentar sua conta corrente e realizar qualquer operação financeira, nos casos de morte ou invalidez permanente, o que evitaria a abertura de inventários (Probate) e é muito eficiente na transferência dos direitos inerente a conta para os beneficiários indicados.
Vale lembrar ainda que a regra sobre cobranças de impostos pela transmissão do patrimônio também vai depender das regras de cada país ou estado.
Nos Estados Unidos, por exemplo, os impostos chegam a 40% que são aplicados quando há mais de 60 mil dólares investidos.
A Medida Provisória nº 1.171/2023 também trouxe uma regulamentação específica do trust, explicando quem é o titular dos ativos do trust e como deve ser feita a declaração de IRPF a partir de 1º de janeiro de 2024, o que até então não existia no Brasil e gerava muitas dúvidas acerca do seu tratamento tributário.
A regra de tributação do trust está baseada na noção de transparência fiscal, muito utilizada por outros países na regulamentação desse instituto. Assim, os ativos vertidos ao trust são considerados como pertencentes ao instituidor, em um primeiro momento, e, depois, quando forem disponibilizados ao beneficiário ou quando o instituidor vier a falecer, o que ocorrer antes, são transferidos à titularidade do beneficiário. A pessoa definida como titular tem a responsabilidade por declarar os ativos e tributar os seus rendimentos.
Qual legislação se aplica no caso de testamento de brasileiro com bens localizados no exterior?
O testador que possua bens no Brasil e no exterior poderá optar entre as seguintes possibilidades, sendo que a mais vantajosa somente será definida pós análise das peculiaridades de cada caso:
(i) se a legislação do país estrangeiro em que o testador também possua bens possibilitar a homologação ou validação de testamento realizado no Brasil, poderá elaborar testamento no Brasil abrangendo os bens aqui localizados e os situados no estrangeiro (hipótese em que deverão ser observadas as disposições relativas à legítima em relação aos bens aqui localizados) e deverá apresentar os requisitos de validade do testamento brasileiro com relação aos bens localizados no Brasil;
(ii) elaborar testamento no estrangeiro, abrangendo os bens lá localizados e os bens situados no Brasil (realizando, em relação a estes, o cálculo da legítima, de modo a facilitar o procedimento de validação do testamento no Brasil em relação aos bens aqui localizados); ou
(iii) elaborar testamento no Brasil e no estrangeiro, cada um relativo aos bens localizados no respectivo país.
Ainda, o artigo 610 do Código de Processo Civil dispõe que, em caso de testamento, o inventário ocorrerá obrigatoriamente na modalidade judicial, de modo que, no Brasil, o inventário será judicial para o caso que exista testamento, seja este elaborado e registrado no Brasil ou no exterior.
Importante observar que as regras atinentes à abrangência da disposição patrimonial por meio de testamento variam de acordo com o ordenamento jurídico de cada país.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a liberdade do testador é absoluta, de modo que poderá dispor da totalidade de seu patrimônio. Nesta hipótese, os bens que estão fora do Brasil não se contabilizam para fins de legítima.