Neste quarto artigo abordaremos um tema proposto no texto inicial, mas, felizmente, já retirado do Projeto de Lei Complementar (“PLP 108/24”) que gerou debates sobre a interferência na livre iniciativa e no exercício de atividade econômica: a incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (“ITCMD”) nas distribuições desproporcionais de lucros ou dividendos.
O legislador objetivava trazer clareza sobre essa controvérsia especialmente diante de precedentes de Fazendas Estaduais que cobram o ITCMD sobre distribuições desproporcionais, ainda que sem amparo legal.
Como é hoje?
A distribuição de lucros ou dividendos, em regra, segue diretamente a proporção das participações dos sócios ou acionistas no capital social. Contudo, a legislação societária permite que os sócios estabeleçam a distribuição despropocional, desde que haja previsão contratual ou deliberação específica.
Em outras palavras, não há vedação legal para distribuição desproporcional, desde que ela seja clara e não contrarie as normas legais. Essa faculdade permite que os sócios adequem os resultados da sociedade às particularidades da gestão dos negócios com maior liberdade.
Basta lembrarmos das sociedades que detém dois perfis de sócios: um investidor, que aporta o capital e outro que contribui com seu know-how. Nesse caso, o sócio que não injetou dinheiro na empresa pode receber uma parcela maior dos lucros como forma de reconhecimento por sua contribuição estratégica.
Além disso, como a distribuição de lucros é isenta de imposto de renda, essa prática se tornou usual por reduzir a carga tributária na remuneração dos sócios e ser uma forma eficiente de alinhar os interesses e otimizar a dinâmica de gestão em empresas familiares.
O que pretendia o PLP?
O PLP 108/24 pretendia equiparar a distribuição desproporcional à doação para fins de incidência de ITCMD, quando realizadas entre partes vinculadas sem justificativa econômica comprovada.
Além de introduzir um novo conceito sob a ótica tributária para doação – entendido pelo Código Civil como um contrato de livre liberalidade sobre um bem – o texto inicial do Projeto de Lei, exigia a comprovação do propósito negocial para a distribuição de lucros realizada de forma desproporcional.
As “pessoas vinculadas”, segundo o PL, incluiam:
- a pessoa física que for cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, até o terceiro grau, de outra pessoa física;
- a pessoa jurídica cujos diretores ou administradores forem cônjuges, companheiros ou parentes, consanguíneos ou afins, até o terceiro grau, de pessoa física; ou
- a pessoa jurídica da qual pessoa física for sócia, titular ou cotista.
A exigência de demonstração do propósito negocial, colocava os contribuintes em uma situação de vulnerabilidade diante da subjetividade na definição do tema, afinal, o que viria a ser o “propósito negocial”?
Ademais, essa exigência criava um cenário de imprevisibilidade e potencializa as chances de disputas judiciais entre contribuintes e o Fisco sobre os critérios de cobrança do ITCMD.
Dentre as iniciativas recomendadas, destacam-se a atualização dos Contratos Sociais e Acordos de Sócios, com a inclusão de cláusulas objetivas que regulamentem a possibilidade e os critérios de distribuição desproporcional dos lucros entre os sócios. A formalização e o registro desses documentos são essenciais para mitigar litígios sobre o tema, fortalecendo os argumentos em favor da não incidência do ITCMD.
Continuaremos acompanhando os desdobramentos do PLP 108/24 sobre essas discussões a fim de ajustar as estratégias de planejamento patrimonial e sucessório, como forma de minimizar os impactos negociais e tributários.