Por meio do Decreto Estadual nº 64.898, de 31 de março de 2020, o Governador João Doria fixou premissas a serem observadas pela administração pública direta e autárquica de seu governo, na gestão de contratos de prestação de serviços contínuos, durante a vigência do estado de calamidade pública decorrente da pandemia do COVID-19 (Novo Coronavírus).
O decreto considera o fato de que o estado de calamidade pública nacional levou à suspensão temporária de atividades não essenciais nas Secretarias de Estado e autarquias, o que significaria uma redução da necessidade de tomada de serviços pela Administração Pública.
Para os fins do Decreto Estadual nº 64.898/2020, as autoridades gestoras das secretarias do Estado de São Paulo e autarquias estaduais deverão observar as opções disponíveis sobre a continuidade dos serviços contratados, analisando um a um os contratos vigentes, sendo elas:
* julgando tratar-se de serviço imprescindível às necessidades da unidade, subsistindo a necessidade da prestação dos serviços nos mesmos quantitativos do contrato já assinado, deve propor sua manutenção, com a devida justificativa;
* julgando ser necessário manter parcialmente a prestação dos serviços objeto do contrato, pode propor supressão unilateral (ou seja, decisão única da administração pública), de até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, podendo fazê-lo em porcentagem maior, se de comum acordo com o particular contratado para a prestação do serviço;
* julgando desnecessária a manutenção dos serviços, temporariamente, deve o ente público apresentar suspensão da execução do contrato, mediante a celebração de termo aditivo com o particular contratado, ou por decisão unilateral, observado o pagamento de indenização ao particular, no que couber.
Com relação ao primeiro item, trata-se da necessária fundamentação para manutenção de gastos e despesas durante o estado de emergência, o que servirá de respaldo não apenas para a administração pública, mas assegurará os direitos dos particulares contratados para a prestação de serviços essenciais, como, por exemplo, manutenção de viaturas e ambulâncias, manutenção de equipamentos médico-hospitalares, limpeza urbana, higienização de hospitais, entre outros.
Com relação ao segundo item, salientamos que o texto do decreto está em consonância com o que alude o artigo 65 da Lei 8666/93 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos).
Isso porque, de fato, a lei federal de licitações obriga os particulares contratados pelo Poder Público a suportar, para mais ou para menos, até 25% do valor atualizado do contrato, quando este tiver por objeto serviços, compras ou obras.
Lado outro, a lei de licitações não impede que esses contratos sejam revistos em patamar superior aos 25%, se de comum acordo. Nessa hipótese, como a administração não tem espaço para obrigar o particular, deve fazê-lo por acordo, ou seja, mediante aditivo contratual, exatamente como previsto no decreto em questão, na segunda hipótese de revisão dos contratos.
Ainda com relação ao segundo item, insta esclarecer que são hipóteses de alteração de contratos públicos que não permitem a discussão do equilíbrio econômico-financeiro, pelo que, principalmente nas negociações entre Poder Público e empresas privadas sobre aditivos contratuais que superem o patamar dos 25% de acréscimo ou supressão é indispensável a análise das obrigações e reflexos que isso trará na execução do contrato, para que o particular não assuma responsabilidades que não terá condições de cumprir, causando prejuízos a sua própria empresa.
Com relação ao terceiro item e ao pagamento de indenização aos particulares que tiverem seus contratos suspensos, cabem algumas observações.
O Decreto Estadual nº 64.898/2020 exige que o contratado, ou seja, o particular prestador dos serviços, promova a “efetiva comprovação do dano” para ser indenizado pelo Governo do Estado de São Paulo se o ente público determinar a suspensão da execução do contrato. Aqui, cabe ao contratado realizar o pleito administrativo de reparação desse dano, devendo apresentá-lo ao poder público.
Caso a empresa seja convidada a assinar um aditivo contratual sobre a suspensão dos serviços, é importante neste momento já observar e prever quais serão seus prejuízos, de maneira a refletir essa situação no aditivo, prevendo, ademais, como lhes serão indenizados esses prejuízos por parte do Poder Público que solicitou a suspensão dos serviços contínuos.
Caso a decisão pela suspensão do contrato for unilateral, ou se houver resistência do Poder Público em realizar essa previsão da forma de indenização no aditivo contratual, deve-se buscar, como dito, a apresentação de pleitos administrativos, sem prejuízo de uma discussão judicial sobre o tema. Esses pleitos devem demonstrar que a suspensão dos contratos se deu por decisão da própria administração pública, e que, em consequência quais foram os prejuízos sofridos pelo particular, como, por exemplo, ausência de caixa para pagamento de fornecedores e funcionários, necessidade de desmobilização de centrais administrativas dos contratos, e demissão ou afastamento de funcionários.
O artigo 65 da citada lei federal de licitações e contratos administrativos (8666/93), garante, inclusive, que no caso de supressão de serviços, a administração pública deve indenizar o particular contratado se este já tiver adquirido materiais e posto no local dos trabalhos, indenização essa equivalente ao preço de custo da aquisição regularmente comprovados e monetariamente corrigidos, sem prejuízo de outras indenizações devidas.
Com relação aos prejuízos sofridos pelas empresas na suspensão dos contratos quando decorrentes de obrigações trabalhistas, o Decreto Estadual nº 64.898/2020 exige que, inicialmente, sejam objeto de medidas mitigatórias pelas empresas, por meio de acordos coletivos e/ou das medidas previstas nos artigos 6º e 11 da Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020, com a concessão de férias aos seus funcionários.
Não obstante o Decreto Estadual nº 64.898/2020 tratar das hipóteses de revisão e suspensão dos contratos firmados com a Administração Público do Estado de São Paulo, é importante esclarecer que por tratar-se de suspensão em período de calamidade pública, fica prejudicado o direito dos particulares contratados em rescindir esse contrato, caso a suspensão perdurar por prazo superior a 120 (cento e vinte) dias, dado que a situação de calamidade pública é justamente uma das exceções trazidas pelo artigo 78 da Lei federal 8.666/93.
Reforça-se, no cenário atual e diante da crise instaurada pela pandemia de COVID-19 (Novo Coronavírus), a necessidade de, recebida qualquer comunicação do ente público contratante, em qualquer de suas esferas, seja analisado o que está sendo solicitado pelo Poder Público e quais os efeitos práticos para a empresa, de maneira a serem tomadas decisões e medidas que resguardem não apenas a execução do contrato, mas a própria saúde financeira da empresa que presta serviços ao poder público.