Advogados explicam novo ordenamento para relações privadas na epidemia

Após mais de dois meses de epidemia de Covid-19 e profunda deterioração nas relações sociais e econômicas, o Congresso encaminhou nesta quinta-feira (21/5) o PL 1.179/20 para sanção presidencial.

Segundo o futuro presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins, “é necessária no ordenamento brasileiro uma lei específica para as relações privadas ora afetadas pela pandemia”: os aluguéis, as mensalidades escolares, os prazos prescricionais e decadenciais, os empréstimos contraídos, os alimentos, as visitas, as questões consumeristas, o condomínio, entre outros.

E o projeto de lei votado pelo Senado na última terça (19) propôs-se a enfrentar essas questões, com a função de regular as relações privadas durante este período emergencial e transitório, oferecendo um norte para a jurisprudência e aos profissionais do direito, assim como contribuindo para a celeridade e uniformidade na pacificação dos conflitos decorrentes. É um documento provisório, porque o momento atual não é favorável a alterações definitivas na legislação já existente de Direito Privado.

O anteprojeto é fruto do trabalho de um grupo de juízes, ministros de tribunais e advogados especialistas em Direito Privado, sob a liderança do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal.

Em entrevista à ConJur no último dia 14, o advogado e professor de Direito Civil da USP Otavio Rodrigues classificou a aprovação como um “exemplo de cooperação entre magistrados, parlamentares, universidade e advocacia”.

Na avaliação do advogado Tiago Asfor Rocha de Lima, sócio do Rocha, Marinho e Sales Advogados, o projeto é fundamental para segurança jurídica no país. “Com a legislação que foi para sanção presidencial, temos a probabilidade de uma prática jurídica uniforme. Ela vai evitar termos decisões diferentes sobre as mesmas questões em diferentes estados do país nesse período de crise”, explica.

Veja as principais mudanças promovidas pelo PL 1.179/20:

– Contratos: Conforme o artigo 7º que determina que não serão considerados como fatos imprevisíveis argumentos como desvalorização cambial, aumento da inflação e troca da moeda. “Isso é muito benéfico porque já neutraliza argumentos que poderiam ser usados por quem no fundo só quer se beneficiar na crise”, explica Renata Cavalcante de Oliveira, sócia da área cível do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados;

– Prazos prescricionais e decadenciais: O PL prevê que os prazos prescricionais sejam suspensos a partir da entrada em vigor da lei até 30/10/20. Desse modo, o dispositivo impede que demandas indenizatórias não sejam prejudicadas por conta do período de isolamento social imposto pelo avanço da Covid-19 no país;

– Relação de consumo: O projeto suspende até o dia 30 de outubro a possibilidade de consumidores pleitearem o desfazimento do negócio firmado por meio de delivery. “A suspensão do artigo 49 do código de defesa do consumidor é importante por ajustar o ordenamento jurídico a uma nova realidade”, comenta Eduardo Tomasevicius Filho, professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP. O regramento não abarca produtos perecíveis e medicamentos;

 – Locação de imóveis: Suspende ações de despejo de imóveis até 30 de outubro. A medida é valida para ações ajuizadas a partir de 20/03/20. Para Renata Cavalcante de Oliveira, a medida é polêmica. “Eu considero um pouco temerária porque existem situações em que devedores estão se aproveitando desse momento para adiar o não cumprimento de uma obrigação que eles já não iriam cumprir”, explica;

 Usucapião: O dispositivo suspende até 30 de outubro os prazos para usucapir imóveis;

– Direito de família e sucessões: O PL suspende a prisão civil de devedores de pensão alimentícia. As ordens de prisão só poderão ser cumpridas no regime domiciliar. A medida não altera em nada a cobrança paralela dos valores devidos. Em relação as sucessões, o prazo para abertura do processo fica suspenso até 30 de outubro;

– Reuniões e assembleias: Determina que reuniões e assembleias gerais, no âmbito societário e condominial, devem ocorrer eletronicamente. “O PL prevê  também algumas prerrogativas e poderes de caráter emergencial para o síndico, visando proteger a população do condomínio do contágio pela Covid-19, inclusive impedindo a realização de reuniões, festividades nas unidades autônomas, ou seja, nos apartamentos”, destaca a advogada Juliana Raffo, do escritório Briganti Advogados.

– Transporte por aplicativo: O PL aprovado no Senado prevê a redução de 15% das comissões cobradas dos motoristas por aplicativos de transporte como Uber e 99. A medida vale até o próximo dia 30 de outubro e também proíbe o aumento dos preços cobrados nas viagens.

Clique aqui para ler a íntegra do PL 1.179/20

Entrevista da advogada Juliana Raffo, do Briganti Advogados, para o Conjur. Para ler a reportagem diretamente no Portal, clique aqui.

Publicações relacionadas

Fatos relevantes que marcaram o setor de M&A no Brasil em 2024 e perspectivas para 2025

Carla Calzini, sócia de M&A no Briganti Advogados, assinou um artigo no Correio Braziliense analisando os fatos mais relevantes que marcaram o mercado de fusões e aquisições no Brasil em 2024 e as perspectivas para 2025. O crescimento expressivo no valor das transações, mesmo diante de um cenário de juros elevados e incertezas políticas, evidencia a confiança do investidor e a consolidação de setores estratégicos. Carla destaca que a venda de participações minoritárias tem se tornado uma alternativa para empresas que buscam capital para expansão,…

eSocial, Receita Federal e os processos trabalhistas

A partir do dia 1º de outubro de 2023 teve início um novo evento do eSocial: Processo Trabalhista. Por meio dele, o empregador deve lançar as informações relativas aos acordos e decisões proferidas nos processos que tramitam na Justiça do Trabalho.  Devem ser informados os processos que tenham decisões condenatórias ou homologatórias de acordo, que se tornem definitivas (decisões contra as quais não cabe mais recurso) a partir de 1º de outubro de 2023, ainda que o processo tenha se iniciado antes.  Devem informar os dados…

Governo altera o marco regulatório do Saneamento por meio de Decretos Executivos

Na última semana, o Governo Federal publicou dois novos decretos (nº 11.466 e 11.467), que alteram o Marco Legal do Saneamento Básico do Brasil. O Marco é disciplinado pela Lei Federal nº 14.026/20, que estabelece metas arrojadas de universalização do fornecimento de água e tratamento de esgoto para todo o país, até o ano de 2033. Os decretos de nº 11.466 e 11.467 assinados pelo Presidente Lula tratam, especialmente, dos seguintes temas: (i) a ampliação de prazo de comprovação econômico e financeira pelas prestadoras de…