Investir no exterior é uma prática diretamente relacionada às estratégias de Planejamento Patrimonial e Sucessório, principamente quando o objetivo é a diversificação de ativos em moedas fortes e mercados consolidados.
Além de preservar o valor do patrimônio, os investimentos internacionais tendem a facilitar a transferência da riqueza aos herdeiros, eis que, na maioria das vezes, os países escolhidos para investir possuem regras menos burocráticas para sucessão e doação.
Apesar das vantagens citadas, é fato que, no momento da sucessão, seja por doação ou por herança, os estados brasileiros irão exigir o ITCMD.
A questão que surge, então, é: essa cobrança é legítima?
- Decisão do Supremo Tribunal Federal:
A discussão sobre legitimidade da incidência do ITCMD sobre doações e heranças provenientes do exterior é palco de diversas discussões entre o Fisco e Contribuinte.
Em 2021, visando esgotar as discussões sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal (STF), quando julgou o Tema 825, de Repercussão Geral, definiu que: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal, sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional.”
A referida decisão foi proferida em um contexto no qual os Estados, ignorando a determinação da Constituição Federal (art. 155, § 1º, III), exigiam ITCMD, com fundamento em leis internas, sobre doações cujo doador era domiciliado no exterior, bem como sobre heranças quando o falecido (de cujus) era domiciliado ou possuía bens no exterior.
Em decorrência desse julgamento pelo STF, diversas leis estaduais, dentre as quais, as do Estado de São Paulo, Minas Gerais e do Distrito Federal, foram julgadas inconstitucionais, inviabilizando a exigência do ITCMD pelos Fiscos Estaduais.
A discussão que parecia ter sido encerrada, ganhou um novo capítulo com a Reforma Tributária promulgada pela Emenda Constitucional (EC) nº 132/2023, que alterou diversos aspectos relevantes relacionados ao ITCMD.
Emenda Constitucional nº 132/2023:
Uma das principais alterações trazidas pela EC nº 132/2023, foi a flexibilização da exigência do ITCMD nos casos de doações e heranças provenientes do exterior até que Lei Complementar discipline o tema.
É certo que a EC não excluiu a determinação da necessidade de Lei Complementar para permitir a exigência do ITCMD. O que houve, na realidade, foi a criação de uma regra transitória, enquanto não editada a norma em questão.
Vale ressaltar que a regra transitória é válida apenas aos fatos geradores (data da morte ou da doação) ocorridos após a publicação da EC nº 132/2023, isto é, após 20 de dezembro de 2023.
Aos fatos geradores anteriores, não há qualquer flexibilização para exigência, uma vez que o princípio da irretroatividade impede a aplicação a eventos já ocorridos.
Nova discussão:
Ainda que a EC 132/2023 tenha flexibilizado a incidência do ITCMD sobre bens e pessoas no exterior na ausência de Lei Complementar, é importante relembrar que diversas leis estaduais, que regulamentavam a incidência do imposto nessas situações, foram declaradas inconstitucionais, em decorrência do julgamento do STF ocorrido em 2021.
Diante disso, surge o questionamento: considerando a flexibilização trazida pela EC, poderiam os Estados voltar a aplicar essas mesmas leis para exigir o ITCMD?
A resposta é negativa. Isso se deve ao fato de que não existe no Brasil o conceito de constitucionalidade superveniente.
Logo, como essas leis já foram invalidadas, a exigência do imposto, sem nova lei que a ampare, será inconstitucional, mesmo em relação aos fatos geradores ocorridos após 20 de dezembro de 2023.
Portanto, ainda que a EC tenha flexibilizado a exigência do ITCMD em um cenário de ausência de Lei Complementar, é necessário observar se a legislação interna do Estado envolvido ainda permanece válida. Caso contrário, a cobrança do imposto não terá qualquer respaldo jurídico.
PLP 108/2024:
Conforme mencionado nos demais artigos desta série, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/2024 é um dos projetos que visa regulamentar a Reforma Tributária. Este, em específico, aborda as alterações do ITCMD, incluindo a incidência sobre doações e heranças no exterior.
Em linhas gerais, o PLP prevê que o ITCMD será devido na hipótese de transmissão causa mortis e na doação da seguinte forma:
- Bens imóveis localizados no Brasil:
- Na doação e na sucessão, o ITCMD será devido ao Estado onde o bem imóvel estiver localizado, mesmo se o de cujus ou o doador residirem no exterior.
- Bens imóveis localizados no exterior:
- Se o de cujus ou o doador for domiciliado no exterior, o ITCMD será devido ao Estado em que o herdeiro/sucessor ou o donatário forem domiciliados.
- Bens móveis localizados no exterior e/ou Brasil:
- Se o de cujus ou o doador for domiciliado no Brasil, o ITCMD será devido ao Estado onde era domiciliado.
- Se o de cujus ou o doador for domiciliado no exterior, o ITCMD será devido ao Estado onde seu herdeiro/sucessor ou o donatário for domiciliado.
- Se tanto o de cujus ou o doador quanto o herdeiro/sucessor ou o donatário forem domiciliados no exterior, o ITCMD será devido ao Estado onde o bem estiver localizado.
O PLP ainda está em trâmite no Senado Federal, para votação em turno único. Caso o texto siga sem alterações, será remetido ao Presidente da República para a devida sanção. Por sua vez, havendo mudanças no projeto, o PLP retornará à Câmara dos Deputados para aprovação que, por seu turno, encaminhará à sanção presidencial.
Continuaremos acompanhando de perto a tramitação, votação e eventual aprovação do projeto, mantendo atenção às atualizações pertinentes aos Planejamentos Patrimoniais e Sucessórios.
Confira o vídeo que preparamos sobre o assunto aqui.