Desde seu ingresso no ordenamento jurídico, a nova Lei de Licitações (lei nº 14.133/2021) tem vigência imediata, ou seja, pode ser aplicada pela Administração Pública desde a sua publicação, em 01/04/2021. Entretanto, somente a partir de abril de 2023, terá sua aplicação obrigatória pelos órgãos públicos.
Como (quase) toda regra tem sua exceção, os únicos dispositivos que passaram a vigorar imediatamente são aqueles que se referem aos crimes licitatórios que, a partir da publicação nova Lei de Licitações, foram deslocados para o Código Penal – fenômeno jurídico chamado de continuidade normativo-típica.
O rol de crimes constantes pela Nova Lei de Licitações – e que fazem parte, então, do Código Penal Brasileiro – são:
- Contratação direta ilegal
- Frustração do caráter competitivo de licitação
- Patrocínio de contratação indevida
- Modificação ou pagamento irregular em contrato administrativo
- Perturbação de processo licitatório
- Violação de sigilo em licitação
- Afastamento de licitante
- Fraude em licitação ou contrato
- Contratação inidônea
- Impedimento
- Omissão grave de dado ou de informação por projetista
Na lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações atual), os crimes licitatórios estavam elencados em seção própria, esculpidos nos artigos 89 a 108. Com a nova Lei, referidos artigos foram revogados e alocados no Código Penal, no capítulo que se refere aos crimes praticados por particular contra a Administração em geral e correspondem, atualmente, aos artigos 337-E a 337-P do diploma criminal.
Apesar da manutenção da maioria dos crimes tipificados pela lei nº 8.666/93, verificam-se algumas modificações de tipo penal e até mesmo de penas correspondentes aos respectivos crimes trazidas pela nova lei.
Quando são inseridos novos crimes no ordenamento jurídico, retiradas tipificações penais, ou ainda, majoradas ou minoradas as penas correspondentes aos crimes, torna-se necessário compreender que, sempre que a nova Lei favorecer o agente (quem cometeu o crime), ela será aplicada imediatamente, inclusive, nos casos em que houver sentença condenatória transitada em julgado – nos termos do artigo 2º, parágrafo único do Código Penal.
A título de exemplificação das normativas trazidas pela nova Lei no que se refere aos crimes licitatórios, verifica-se que o crime referente à contratação direta ilegal, antes previsto no artigo 89 da lei nº 8.666/93 sob a seguinte tipificação: “Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade”, previa pena de detenção de três a cinco anos e multa.
Já na atual redação alocada no Código Penal, artigo 337-E, este crime fica tipificado àquele que “admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei”, com previsão de pena majorada para reclusão de quatro a oito anos e multa.
Como se vê, apesar de redação similar, o novo tipo penal descriminalizou a conduta de “deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade”, tratando-se, neste caso, da ocorrência de abolitio criminis, ou seja, conduta que antes era caracterizada como crime deixa de sê-lo. Logo, aqueles que, porventura, tenham sido penalizados em razão deste tipo penal serão favorecidos pela atual descriminalização.
Em uma análise mais prática, a nova redação do crime de contratação direta ilegal caminha no sentido de não penalizar o “mal gestor público”, por exemplo quando se falava em deixar de observar formalidades, e se debruça mais sobre o elemento subjetivo, ou seja, sobre a verificação do dolo na conduta do agente, para caracterização do crime de contratação direta ilegal.
Noutro giro, houve majoração da pena, o que implica, por exemplo, na possibilidade do início do cumprimento da pena em regime fechado, impedindo, ainda, a substituição da pena privativa de liberdade pelas penas restritivas de direito, bem como a realização de acordo de não persecução penal.
Traduzindo para outros termos, aquele que cometer o crime de contratação direta ilegal poderá ser condenado e terá que cumprir pena, inicialmente, em regime fechado, sendo a punição aplicada aos crimes cometidos após 01/04/2021.
Ressalta-se que o crime analisado somente é passível de punição quando cometido com o intuito de causar dano ao erário – quando houve dolo do agente, e se estende ao beneficiário da dispensa ou inexigibilidade ilegal.
Seguindo a mesma premissa de novatio in pejus, em que a nova Lei aumenta a pena, tem-se que o crime de perturbação de processo licitatório, antes previsto no artigo 93 da lei nº 8.666/93 e agora disposto no artigo 337-I do Código Penal, permanece com a mesma tipificação anterior: Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de processo licitatório, mas a pena, antes prevista de seis meses a dois anos e multa, agora, a pena máxima foi majorada para até três anos.
Por outro lado, não houve alteração, por exemplo, no crime de violação de sigilo em licitação, antes previsto no artigo 94 da lei nº 8.666/93 e correlato, atualmente, ao artigo 337-J do Código Penal, com pena de detenção de dois a três anos, e multa.
Logo, de modo panorâmico, tem-se que a transferência dos artigos dispostos na Nova Lei de Licitações para o Código Penal veio acompanhada, em sua maioria, na majoração das penas previstas para os crimes licitatórios, permanecendo com natureza de ação penal pública incondicionada. Assim, cabe ao Ministério Público promovê-la, sem a necessidade de denúncia de particular, dado o papel constitucional do Ministério Público de defesa dos bens e procedimentos públicos.