Na apuração não-cumulativa do PIS/Cofins, os contribuintes a ela sujeitos podem apurar créditos correspondentes à aplicação das respectivas alíquotas sobre determinados custos, para serem descontados do que for apurado, no mesmo período, a título de PIS/Cofins. Para a apuração dos créditos o legislador adotou o critério de listar os bens e serviços capazes de gerar crédito e os atrelou a determinadas atividades, assim como ao modo de produção no que se atine ao insumo.
As Leis 10.637, de 2002, e 10.833, de 2003, que instituíram a não- cumulatividade na cobrança da Contribuição para o PIS/Cofins, elencaram em seu artigo 3º as situações em que o contribuinte poderá, do valor das contribuições devidas, descontar créditos apurados em relação a custos, despesas e encargos.
Mais comum dentro do direito tributário brasileiro, o método de crédito do tributo, refere-se a descontar do que se paga em uma operação o valor anteriormente recolhido, trata da sistemática de não-cumulatividade aplicada ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e a Prestação de Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Por esse método, o valor do tributo devido na etapa anterior é registrado como crédito fiscal para ser utilizado na apuração do débito referente à transação corrente.
Portanto, embora se diga que a forma de apuração é não-cumulativa tanto na determinação do IPI/ICMS quanto no PIS/Cofins, a forma utilizada para a obtenção de um e de outro é completamente diferente. Em razão da apuração dos créditos de PIS/Cofins se dar com base em critérios legais, em que não se confronta imposto contra imposto, mas receita contra receita, não existe como manter correlação exata com a base de débitos a compor faturamento para fins de cálculo das contribuições.
É essa metodologia de desoneração que possibilita ao contribuinte apropriar créditos em percentual de 9,25%, mesmo que seu fornecedor tenha pago, PIS e Cofins a uma alíquota 3,65%, por exemplo.
Neste sentido, a IN 404/2004 descrevia a forma de apuração da base de cálculo dos créditos de PIS/Cofins: o custo de aquisição. Previa que, para efeito dos créditos calculados sobre os bens adquiridos para revenda, deve ser observado que o IPI incidente na operação, quando recuperável, não integra o valor do custo dos bens (inciso I, §3º, artigo 8º) e que o ICMS integra o valor do custo de aquisição de bens e serviços (inciso II, §3º, artigo 8º).
Sobre a inclusão do ICMS no valor do custo de aquisição de bens e serviços, é importante notar que isso não ocorre sem motivo. Conforme disposto no artigo 13, § 1º, inciso I, da Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996, o montante do ICMS integra sua própria base de cálculo, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle. É o denominado cálculo ‘por dentro’, que faz com que o montante do imposto não possa ser dissociado do valor da mercadoria e, por essa razão, integre o seu custo de aquisição, tese inclusive exposta pelo próprio Fisco através do Parecer Normativo 70/72.
A IN SRF 404, de 2004, ao preceituar que determinado imposto inclui-se ou não no ‘custo dos bens’ ou no ‘custo de aquisição de bens e serviços’, para efeito do cálculo dos créditos sobre bens adquiridos como insumo, deixa evidente que a legislação que regulamenta a cobrança de ambas as contribuições optou por considerar o custo de aquisição como a base de cálculo desses créditos.
No último dia 11 de outubro, a Receita Federal do Brasil editou a Instrução Normativa RFB 1.911/2019 e, no afã de consolidar as normas sobre apuração de PIS e Cofins, revogou o inciso II, do § 3º do artigo 8º da Instrução Normativa 404, de 2004, suprimindo a determinação sobre a inclusão do ICMS no custo de aquisição para fins de apuração do crédito do PIS/Cofins (artigo 167).
Assim, a Receita Federal se omitiu quanto ao tratamento que deve ser dado ao ICMS destacado nas notas fiscais de compras emitidas pelos fornecedores de bens e serviços da pessoa jurídica, ao que parece, como forma de retirar o ICMS da base de cálculo os créditos de PIS/Cofins em razão da exclusão do ICMS na base de cálculo dos débitos, conforme determinado pelo Poder Judiciário (repercussão geral do RE 574.706/PR)
Ocorre que, tanto a IN 404/2004 quanto a novel legislação, inserem-se no mesmo panorama legislativo, a Lei Complementar 87, de 1996 (Lei Kandir) e Leis 10.637, de 2002, 10.833, de 2003 e artigo 301 do RIR/18. Como é sabido, a Instrução Normativa explicita a Lei, instrumentaliza a legislação e não a restringe ou limita.
O direito ao crédito de PIS e Cofins está contido na legislação aplicável à matéria, Lei 10.637, de 30 de dezembro de 2002 e Lei 10.833/2003, que em seus artigos 3°, incisos I e II, autorizam a apropriação de créditos calculados em relação a bens e serviços utilizados como insumos na fabricação de produtos destinados à venda.
Na legislação do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), o artigo 301 do RIR/18 impõe que o custo das mercadorias revendidas e das matérias-primas utilizadas será determinado com base em registro permanente de estoque ou valor dos estoques existentes, não integrando o custo de aquisição, os impostos recuperáveis por meio de créditos na escrita fiscal, com os pormenores já explicados em relação ao IPI (cálculo ‘por fora’) e ao ICMS (cálculo ‘por dentro’), este com base na Lei Kandir, Lei 87/96, artigo 13, §1º, Inciso I.
Todo este arcabouço legislativo continua vigente, ou seja, na legislação, nada mudou e como meio de interpretá-la é que a RFB editou a revogada Instrução Normativa 404/2004 e com base nela, temos que a Instrução Normativa 1911/2019 deve se inspirar.
Neste panorama, a IN 1911/2019 é mais consequência da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, decorrente da decisão proferida no Recurso Extraordinário (RE) 574.706/PR e da sanha arrecadatória que o Fisco persegue para repor as perdas de receita advindas.
Neste tocante, importante ressaltar que o RE em nenhum momento trata da base de cálculo dos créditos do PIS/Cofins e a inclusão do ICMS em tal base de cálculo. Em nada influencia a constatação de qualquer ilegalidade na apuração dos créditos. Sob o aspecto legislativo, a legislação a ser interpretada para a adoção de critério de base de cálculo dos créditos de PIS/Cofins permanece incólume.
O entendimento do Judiciário pela exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, nos limites do julgamento do Recurso Extraordinário, não possui força para modificar a base de cálculo dos créditos do PIS/Cofins que decorre de interpretação do princípio da não-cumulatividade e do custo de aquisição, descritos em lei. Ao passo que, o faturamento, como grandeza de natureza tributável pelo PIS/Cofins possuía interpretação dúbia, na qual se interpretavam conceitos contábeis e tributários, guaridos de subjetividade.
A inclusão do ICMS na base de cálculo dos créditos do PIS/Cofins nunca baseou-se na contrapartida: inclusão do ICMS na base de cálculo de incidência do PIS/Cofins, ou seja, sobre o faturamento. A razão da inclusão do ICMS dá-se por conta de estar integrado, de forma indissociável, ao custo de aquisição dos bens, não guardando nenhuma relação com o conceito de faturamento que, para efeitos de lucro e renda, pressupõe a existência de riqueza nova que se adiciona a um capital preexistente, e que dele pode ser separada sem reduzi-lo.
A inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins também nunca foi defendida sob o argumento da inclusão do ICMS no levantamento do custo de aquisição para fins de apuração de crédito. Aliás, como bem exposto, a não cumulatividade reservada às contribuições difere da sistemática crédito/débito. Isto porque, a lei não determina que na apuração do PIS/Cofins mensal se faça puramente entradas menos saídas e sim, que se determine quais as grandezas deverão compor o faturamento, consagrando o regime substrativo indireto.
A base de cálculo dos créditos do PIS/Cofins é o preço de aquisição, definido por lei. O conceito de faturamento, a atrair a incidência do PIS/Cofins nas saídas é também definido legalmente, cuja interpretação errônea da RFB levou há anos de inclusão do ICMS, mesmo sendo grandeza impossível de constituir patrimônio. Tais relações não se comunicam e nunca foram definidas em uma cadeia de crédito/débito, até porque é impossível existir desconto ao que já foi pago, como ocorre nas sistemáticas do ICMS/IPI, posto que as bases não se equiparam.
Assim, não há espaço para se cogitar que a extração do ICMS como grandeza tributável a compor faturamento para efeitos de incidência do PIS/Cofins impinja necessária exclusão do ICMS do conceito de custo de aquisição da mercadoria para fins de creditamento do PIS/Cofins, uma vez que o conceito material da não-cumulatividade aplicável às contribuições não confronta as bases de entradas e saídas em uma digressão matemática, porque os critérios de creditamento ditados pela Lei observam o custo de aquisição da mercadoria na entrada e o faturamento na saída, montantes diversos em composição e natureza.
Ressalta-se que as determinações da RFB não prevalecem sobre as decisões judiciais que debatem o método de apuração das exclusões de forma favorável aos contribuintes, todavia, a IN é vinculante aos auditores do órgão, o que, certamente, acarretará judicialização do tema. Até porque se prevalecer entendimento quanto à impossibilidade da parcela do ICMS compor o custo de aquisição, haverá expressiva diminuição de créditos do contribuinte.
De todo modo, se a supressão da expressão relativa à necessária inclusão do ICMS no custo de aquisição trazida pela IN 1911/2019 vier a impingir autuações por parte do Fisco, flagrante a ilegalidade cometida do texto ao limitar conceito que a própria legislação descreve, extrapolando os limites da Instrução Normativa que possui apenas poderes de regulamentar e instrumentalizar os conceitos descritos na legislação.
Ariana de Paula Andrade Amorim é coordenadora do setor contencioso tributário do Briganti Advogados. Formada em Direito pela PUC/Campinas, pós-graduada em Direito Tributário e Processo Tributário e técnica em Contabilidade.
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