Os relacionamentos amorosos ganharam novos formatos nos últimos anos, especialmente após a pandemia. É cada vez mais comum que casais passem por todas as fases do relacionamento – namoro, noivado e casamento ou união estável – morando juntos.
Diante dessa nova realidade, há uma linha tênue na diferenciação de qual fase os parceiros se encontram, o que pode variar, inclusive, da perspectiva de cada um envolvido no relacionamento.
Em determinadas situações, enquanto um dos parceiros acredita estar em um simples namoro, o outro pode interpretar o vínculo como uma união estável. Essa diferença de percepção pode ter implicações jurídicas relevantes, sobretudo em relação aos direitos patrimoniais e sucessórios. Por isso, é fundamental compreender as distinções entre esses relacionamentos e os efeitos decorrentes de cada um.
A união estável é caracterizada por uma convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo presente de constituir uma família, nos termos do artigo 1.723 do Código Civil. Trata-se de um relacionamento em que o casal se apresenta socialmente como se casado fosse, gerando efeitos jurídicos relevantes, como o direito à partilha de bens adquiridos durante a convivência e à sucessão em caso de falecimento de um dos companheiros.
Na união estável, não é exigido um tempo mínimo de duração, existência de filhos ou coabitação entre os parceiros para que seja assim reconhecida e produza seus efeitos legais. Estes fatores, embora relevantes, individualmente, não são suficientes para configurar um relacionamento de união estável.
Basta lembrar de situações em que casais compartilham a mesma residência por conveniência – como motivos profissionais, logísticos ou financeiros – sem o intuito de formar uma família. Ou ainda, relacionamentos de namoro que resultam filhos não planejados. Estes são cenários claros de que a coabitação e a existência de filhos não bastam para caracterizar automaticamente uma união estável, que exige acima de tudo, o ânimo de constituir família.
Por outro lado, o namoro, ainda que, como a união estável, seja uma relação pública e duradoura, neste não há a intenção de constituir uma família, o que diferenciar os dois institutos. O que há, ou pode haver, no namoro é a mera expectativa futura de uma vida a dois, uma projeção dessa constituição de família, evidente em casos de noivado. E essa distinção é o que impede que o namoro ou noivado gerem repercussões patrimoniais, direitos e deveres, entre as partes.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem posição consolidada de que o namoro não produz efeitos jurídicos. No julgamento do REsp 145.464.3/RJ, a Corte utilizou a expressão “namoro qualificado” para descrever o modelo de namoro evoluído, com certa estabilidade, coabitação ocasional ou definitiva, viagens conjuntas e demonstrações públicas de afeto, características que, por vezes, podem ser confundidas com a união estável.
No caso em julgamento, o casal residia no exterior por motivos profissionais e acadêmicos. Durante esse período, incialmente como namorados, os dois noivaram e se casaram pelo regime da comunhão parcial de bens. Contudo, enquanto ainda estavam noivos, um dos parceiros adquiriu um imóvel com recursos próprios. Após o divórcio, a ex-esposa pleiteou a partilha do bem, alegando que havia união estável durante o período do noivado.
O relator, Ministro Bellizze, entendeu que o noivado representava apenas uma extensão do período de namoro e que, portanto, não haveria qualquer direito à partilha, por não se tratar de união estável. Ressaltou ainda que é preciso comprovar um compartilhamento de vidas, com apoio moral e material mútuo, para se configurar um relacionamento de união estável.
Considerando a subjetividade do tema, estando este longe de ser pacificado pelo Tribunal a interpretação das nuances de cada um dos institutos, por justamente não haver requisitos objetivo e, sim, subjetivos, somando-se aos efeitos jurídicos inerentes a união estável, é recomendável que os casais – sejam de namorados, noivos ou companheiros – tenham a compreensão dos seus relacionamentos e os formalizem, por meio da escritura declaratória de união estável, elegendo o regime de bens mais adequado às necessidades do casal, ou, caso se trate apenas de um namoro, por meio de uma declaração de namoro, instrumento que pode ser relevante em eventual controvérsia futura.
Vale lembrar que, essas ferramentas jurídicas são essenciais para alinhar as expectativas do casal à realidade legal, prevenindo conflitos em caso de separação. Isso se torna ainda mais relevante quando a união estável não é formalizada, pois, nessa hipótese, presume-se a adoção do regime da comunhão parcial de bens, o que implica a divisão igualitária do patrimônio adquirido de forma onerosa durante a convivência.
Confira também o vídeo que preparamos sobre o assunto aqui.
Laura Santoianni Lyra